segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Saudade, Maldade, Cidade


   A fumaça que sai dos escapamentos pinta de cinza um céu cujo Sol deixou de brilhar há muito tempo. Há cheiro de urina aqui, comida ali e dinheiro lá. Massas de pessoas cercadas por todos os lados sentindo-se sozinhas.
   Sob a luz de postes, pessoas se casam, se rejeitam, se amam e se odeiam. Desesperadas, as pessoas roubam, matam, choram  e se separam. Cada um por si no meio da selva. Só que, neste caso, nem o mais forte sobrevive.
   Um menino de onze anos deita sob uma ponte, aperta os próprios braços contra o peito e fecha os olhos, mas não consegue mantê-los fechados. Abre-os de cinco em cinco segundos, para garantir que não há ninguém lá, no escuro dos olhos fechados, esperando para atacá-lo, devorá-lo e seguir em frente. Tira o revólver da calça e o segura nas mãos. Cobre a frente do corpo com um casaco. E, agora sim, fecha os olhos.
   Um homem de trinta e quatro anos volta para casa mais cedo. Acabou de receber uma promoção. Sua mãe estaria orgulhosa, se ainda estivesse viva. Está parado no engarrafamento infindável. De repente, todos os barulhos se transformam em silêncio, como se o mundo prendesse a respiração esperando pelo sinal verde. Esse tempo é fatal. O tempo de silêncio, o tempo para pensar. Ele olha para o anel de ouro no dedo da mão que aperta o volante e fecha os olhos. Quando abre, o sinal está verde, e o barulho ecoa com a mesma intensidade, mas aquele homem jamais será o mesmo. Muda de caminho, e esquece de avisar o GPS, que o alerta constantemente de que está no caminho errado.
   Uma mulher de setenta e nove anos fecha os olhos. Está esparramada no sofá. O garoto de três anos tenta acordá-la. Ele está com fome. Ela continua a dormir, e ele começa a chorar. Sua avó não acorda. Ele chora, chora e chora, até a cabeça começar a latejar, os olhos ficarem pesados e ele se sentir cansado demais. Fecha os olhos e dorme, no chão da sala, ao lado de sua avó. Esperando que, ao acordar, eles possam brincar juntos.
   Uma mulher de vinte e quatro anos acaba de realizar seu sonho. Observa pelas janelas de vidro do maior edifício da cidade a dimensão de tudo aquilo, imaginando o dia em que tudo será seu. Vê pessoas lá embaixo, pequenas formiguinhas, zanzando de um lado para o outro. Parecem desorientadas. Fecha os olhos e pensa no que acabou de conquistar. Uma voz familiar diz bem baixinho, um sussurro quase inaudível “E agora?” Ela olha para trás e não vê ninguém. Sente medo. Sempre soube que ela voltaria. Olha para a janela e abre a que está na sua frente. Sente o vento gelado que entra gritando e treme. Olha uma última vez para trás. E então de repente o mundo se transforma em vento.
   Assiste indiferente a tudo isso a cidade.
   Enquanto a vida acontece, enquanto o destino de seres humanos é decidido em uma fração de segundo, a cidade continua. Impassível, indiferente e apática.
   Não sente falta de nenhum dos que vão e muito menos dos que ficam.
   Pessoas, famílias se orgulham de terem participado da construção da cidade, de terem-na transformado em um lugar melhor. Mas a verdade é que ela não se importa. As engole como se não fossem nada. E esperam pelos próximos que virão, em um ciclo infindável de indiferença.

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